Economias ecologicamente sustentáveis?


Por Eduardo Werneck*


A nossa sustentabilidade exige uma mudança de paradigma no pensamento econômico
É evidente, portanto, que tais padrões de produção serão impossíveis de serem obtidos, sem uma profunda revisão em nossos valores econômicos. As visões econômicas e ecológicas têm de começar a freqüentar as mesmas mesas de discussão. Precisamos nos repensar, levando em consideração a produção de bens sob a ótica da preservação do ambiente global e de um padrão mínimo de satisfação das necessidades essenciais para todos. Nossas estruturas de produção e hábitos de consumo desenvolvidos nos últimos duzentos e cinqüenta anos não podem ignorar que a natureza demorou centenas de milhões de anos para esculpir-se e o “arquiteto ainda não terminou sua criação”. E agimos como se tudo fosse descartável.
Quando falamos em sustentabilidade, falamos dos preceitos básicos que determinaram a criação dos seres vivos. A moderna Teoria dos Sistemas Vivos diz que uma vida auto sustentável pressupõe quatro processos básicos: criação, manutenção, renovação e diversificação. Nenhum sistema poderá sobreviver de forma auto sustentada se não levar em consideração esses princípios fundamentais: os seres vivos devem ser capazes de se criar, de se manter vivos, de se renovarem e se diversificarem. A Bio diversidade é que dá a força. Quanto mais espécimes, menor o risco de extinção da vida.
A teoria econômica jamais enxergou a organização de seus preceitos científicos dessa forma. O processo continua linear:
¨ Entrada - exploração de matérias primas e ainda, timidamente, reciclagem.
¨ Processamento - transformação em produtos intermediários e finais
¨ Saída - consumo/geração de resíduos.
¨ Feed back de consumo para sistema produtivo: renda( não faz parte da literatura econômica valorizar reuso e a reciclagem de produtos e materiais como importantes insumos ou fatores de produção).
Nós, como sociedade, sequer temos senso de co-responsabilidade quanto ao destino do lixo. Em um ambiente ecológico, os resíduos são inteiramente aproveitados. Em nosso ambiente econômico, isto não acontece. Vivemos ainda em um sistema unidirecional onde predominam ações destrutivas em todas as fases de exploração, transformação e consumo. Os resíduos não reaproveitados não são destruídos, mas simplesmente deixados em aterros sanitários e lixões, contribuindo para a contaminação da atmosfera. Onde está a sustentabilidade? Onde está a eficiência na alocação de fatores? Isso é referência para otimização de resultados? A natureza não planeja nada, aloca seus recursos e produz resultados bem mais eficazes. Basta considerar o principio sistêmico para a vida, onde o feed back é fundamental.
Sem feed back de processos, aumentamos a velocidade exploratória e destruidora. Com isso, os encargos para as gerações futuras estão se tornando crescentes. É bem possível que nossos bisnetos não nos vejam com bons olhos, pois estamos legando a eles um mundo cheio de sol, sem florestas, mais desertos, sem água, sem ar, quantidade crescente de pessoas excluídas da economia e confinadas em espaços urbanos exíguos, que favorecem a violência. Simplesmente não estamos conseguindo produzir alimentos em quantidade suficiente para mais de ¼ da população mundial. Este percentual representa hoje “apenas” 1,6 bilhão de pessoas. Daqui a cinqüenta anos serão mais de 2,5 bilhões de pessoas com fome e sem água para beber.
Precisamos modificar nossas bases de pensamento econômico e convergir para uma visão ecológica e multidisciplinar. Precisamos valorizar estudos e pesquisas relacionados à cadeia produtiva, à geração e aproveitamento dos resíduos, da água potável, da energia. Precisamos valorizar o desenvolvimento de uma ética ambiental. Precisamos estimular a integração de visões, valorizando as discussões e soluções multidisciplinares. Precisamos priorizar conceitos que introduzam processos de produção limpa, que utilizem fontes renováveis e não poluentes de energia, como o sol e o vento, e tratá-los como insumos fundamentais em nossa cadeia produtiva. Precisamos fazer muita coisa, sabemos disso, mas não fazemos.
Mas para que tudo isso possa acontecer, em vez de ambientalistas e não ambientalistas ficarem trocando acusações como se espécies diferentes fossem, o homem econômico tem de entender que o prefixo “eco” da “eco” - nomia é o mesmo da palavra “eco”- logia. O habitat é o mesmo. Vale para os ambientalistas e não ambientalistas, para economistas e ecologistas. Para brancos, pretos, amarelos e índios. Como disse o índio Chefe Seattle, respondendo ao Presidente dos Estados Unidos, interessado em comprar suas terras: “O que acontecer a Terra, acontecerá aos filhos da Terra”.
O profissional de economia tem de entender que tem um papel importante, não apenas discutindo juros, emprego, renda, consumo, impostos e investimentos, balanço de pagamentos e outras tantas variáveis importantes, sim, mas irrelevantes se não forem considerados a partir de uma visão de desenvolvimento sustentável, da formação de uma cadeia de produção e de consumo que permita o reaproveitamento integral de todos os resíduos de consumo, respeite as riquezas naturais fundamentais, “água, ar, mar, florestas, fauna e flora, minerais” , não gere excedentes de gases que a natureza e nossos pulmões, não conseguem absorver e não gere resíduos tóxicos que não temos como reaproveitar. Este é o conceito de sustentabilidade que devemos buscar. Podemos com essa mentalidade, tentar permanecer por mais alguns milhões de anos e não discutir nossa sobrevivências em mais algumas centenas de anos, com serias dúvidas de conseguirmos alcançar o quarto milênio.
A sustentabilidade macroeconômica ou a sustentabilidade microeconômica ou quantas outras formas de visão da sustentabilidade que queiramos construir, devem partir de um equilíbrio dinâmico Homem – Meio Ambiente, caso contrários seremos fortes candidatos a dinossauros, em seu estágio final de extinção.
Estamos mudando, muito lentamente. Muitas empresas estão se orientando para esse propósito, não por causa de utopias ecológicas, mas porque estão começando a ser cobradas para buscar valores alem do lucro imediato dissociado de qualquer responsabilidade para com seu ambiente. Vejam o que diz o presidente da WWI-WorldWatch Institute: “As principais indústrias automotivas estão, todas, desenvolvendo motores de células de combustível. A Daimler Chrysler planeja iniciar a comercialização de um automóvel movido a hidrogênio, ainda nesta primeira década do século XX!. Mesmo os líderes da indústria petrolífera reconhecem que iremos finalmente sair de uma economia energética baseada no carbono para uma baseada no hidrogênio”. A British Petroleum na Inglaterra que já cumpriu suas metas voluntárias de redução de emissão de gases e continua em seu propósito de se transformar em uma matriz energética. A ESSO teve orientação para buscar oferecer alternativas energéticas limpas. Essa orientação foi aprovada em sua assembléia de acionistas, contrariando a diretoria da empresa. A 3M tem como meta desenvolver uma cadeia de processos industriais contemplando 100% de reciclagem e geração 0% de resíduos.
No Brasil, as empresas industriais estão começando a enxergar que podem auferir retorno financeiro com o aproveitamento adequado dos seus resíduos industriais. São exemplos que podemos encontrar na Klabin, CSN, Usiminas, Belgo Mineira. Todas no caminho da construção de processos de produção mais limpos, com amplo reuso de água e, venda e manejo adequado de resíduos industriais.
Para que todos os atores possam desenvolver novos papeis e de forma organizada, precisamos criar e institucionalizar mecanismos de captação e aplicação de recursos voltados para investimentos ecológicos. Como se trata de um mercado com referências ainda recentes, com poucos anos de gestação, não podemos deixar de priorizar a discussão a respeito da reformulação do sistema financeiro, que permita a democratização do acesso ao capital e não repita os erros do capitalismo selvagem dos últimos 50 anos, cujos modelos de negócios privilegiam a escala do negócio e, portanto, as grandes empresas, na remuneração do capital.
Este novo sistema financeiro deve reconhecer que novos modelos ecológicos devem abrir espaço para valorização de ações, as mais locais possíveis, onde as populações se identifiquem com iniciativas de geração de renda local, associado à preservação de seu ambiente, tal como está preconizado na Agenda 21. Tais valores são preconizados, também, no modelo BECE – Bolsa Brasileira de Commodities Ambientais. Isto significa criar um arcabouço institucional onde seja possível desenvolver mecanismos de captação e gerenciamento de recursos com remuneração compatível com a capacidade de os projetos de pequeno porte gerarem renda.

Mudando nossos padrões de consumo e nossos padrões de cooperação
Para manter a teia da vida firme e saudável é preferível que sua rede seja construída por todos que nela habitem, e nesse modelo, é importante que nossos modelos econômicos priorizem ações descentralizadoras e desconcentradoras da produção, da renda e da população, ao contrário das modelos atuais, que teimam em defender a economia de escala como um processo sem limite. Os fatos estão nos mostrando o quanto é perigoso nos apoiarmos em poucas grandes empresas. Mais uma demonstração de que quantidade e diversidade são importantes. Se os modelos de investimentos preconizam a diversificação, nossos modelos de produção deveriam seguir o mesmo princípio e isso não está acontecendo. Vivemos uma febre de fusões, incorporações e aquisições. Entre os 100 maiores “paises” do mundo, 29 são empresas. De fato, esta é a economia baseada em princípios da anti-diversidade.
Este mesmo raciocínio vale para nossa distribuição espacial, que reflete nada mais do que nosso perfil de renda absurdamente concentrado. Não existe nada mais antiecológico do que confinar 15% da população brasileira em menos de 0,1% de seu território. Refiro simplesmente às regiões metropolitanas do Rio de Janeiro e São Paulo. Se considerarmos as dez maiores regiões metropolitanas, o quadro não é menos dramático: existem 31% da população brasileira morando em 0,3% de nosso território.
A economia mundial é cada vez mais universal na adoção dos fundamentos capitalistas, onde naturalmente o lucro e a competição são os seus principais combustíveis. Para que esses fundamentos capitalistas dêem resultados mais positivos no caminho da redução da exclusão social e contribuição para uma produção útil e limpa, ele deve flexibilizar certos princípios, como o de que a prioridade máxima em todo negócio é maximização dos resultados financeiros, não cabendo qualquer principio de solidariedade, quando a conjuntura assim o exigir. Competição e cooperação têem de conviver harmonicamente, sob a ameaça de a exclusão social chegar a 100%, isto é todos os homens serem excluídos da vida na Terra. Se não aprendermos a respeitá-la, ela haverá de se fazer respeitar. Já estamos começando a sentir isso.
É imperativo portanto a convergência das visões eco-nomicas e eco-lógicas. É uma questão de tempo, não de escolha. Teremos de ser um pouco mais rápidos no caminho do aprendizado de novos valores. Não se trata de obter a prática da perfeição. Somos, de fato, imperfeitos. Mas, um “pensamento ecologicamente positivo”, por parte de todas as correntes de pensamento, já será uma grande conquista, para os próximos dez anos, pois assim estaremos nos preparando para estancar o processo destrutivo que estamos impondo à TERRA. A próxima etapa será transformar esses pensamentos em “ações ecologicamente construtivas” privilegiando processos verdadeiramente sustentáveis, onde a tecnologia seja um acessório útil, e não um fim em si próprio, sejam quais forem as conseqüências. Onde o capital seja verdadeiramente democratizado priorizando as formigas e abelhas e não apenas os elefantes e dinossauros.
A etapa derradeira será assumirmos a verdadeira transformação: abrir mão de alguns estilos de vida e confortos ecologicamente insustentáveis. Quando chega a nossa vez de se pronunciar sobre essa questão, como sociedade, resistimos a enfrentar a questão de frente e isto implica em aceitar um axioma ( “geralmente” axiomas costumam dispensar demonstrações): se não reformularmos nossos padrões de consumo, não haverá área na terra suficiente para tanta necessidade de consumo, por mais limpos que sejam nossos padrões de produção. Não resolveremos o problema da fome e da sede, que afligem a bilhões de seres humanos na Terra. Não adianta isolar ou congelar o problema. Não adianta teorias, onde o coeteris paribus abrande mais de 2 bilhões de pessoas com fome e sede.
A equação universal é simples: o que é necessário ser consumido deve ser no máximo igual ao que é possível de ser produzido. Só fica faltando resolver uma questão relacionada ao intervalo possível de compreensão do que seja necessidade de consumo, que represente diferenças naturais, em proporções que sejam moralmente sustentáveis, sem que os excluídos se sintam agredidos por demonstrações perdulárias de luxo e riqueza por parte dos paises do primeiro mundo e suas elites, apoiados por uma exploração predatória de recursos finitos e um total descaso pelos paises do terceiro mundo e sua pobreza.
Esse é o grande desafio. Se aceitarmos a realidade de que não cabemos todos no primeiro mundo e de que não desejamos ser rebaixados a quarto mundo. Só nos resta, então, criar um segundo mundo, ecologicamente sustentável, em que caibamos todos, já que o primeiro mundo e o terceiro mundo estão adotando padrões economicamente insustentáveis, com um fosso, entre eles, cada vez maior.
Ervin Laszio disse: “não é o mundo e sim nós mesmos, seres humanos, a causa de nossos problemas e que apenas redesenhando nosso pensamento e ação e não o mundo ao nosso redor, é que podemos solucioná-los”.

Eduardo Werneck Ribeiro de Carvalho* – Economista, Diretor da ONG Pensamento Ecológico. email: <eduardowerneck@tsabr.com.br>
Rede Internacional de Comunicação CTA-JMA
Environment Justice x Finance


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