por Sabina Zaccaro, da IPS
Roma, Itália, 11/10/2011 – A volatilidade e os altos preços dos alimentos provavelmente continuarão no próximo ano, podendo até mesmo piorar, tornando ainda mais vulneráveis os agricultores pobres, alerta um estudo conjunto de três agências da Organização das Nações Unidas (ONU). Os pequenos países dependentes das importações, especialmente os africanos, são os que correrão maiores riscos.
“Muitos ainda enfrentam graves problemas depois das crises econômica e alimentar de 2006-2008”, disseram a Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO), o Fundo internacional de Desenvolvimento Agrícola (Fida) e o Programa Mundial de Alimentos (PMA), na divulgação de seu informe “O estado da insegurança alimentar no mundo 2011”, realizada ontem.
“A principal razão da crescente volatilidade de preços é que a oferta não consegue alcançar a demanda”, explicou à IPS o economista George Rapsomanikis, da FAO. “Acontece que temos um firme crescimento da demanda, em sua maior parte devido ao aumento da população, e também uma mudança na dieta dos habitantes das economias emergentes, que estão mudando gradualmente e incluindo mais carne e grãos”, acrescentou Rapsomanikis.
“Por outro lado, os níveis mundiais de reservas ficam cada vez mais baixos, inclusive do que costumavam estar há dez anos, e, se houver algum golpe externo contra o mercado, haverá volatilidade. Assim, mercados mais estreitos significam mais volatilidade no futuro”, alertou Rapsomanikis.
Os preços altos são o principal fator da insegurança alimentar no planeta, segundo o estudo das três agências da ONU com sede na capital italiana. A volatilidade faz com que tanto os pequenos produtores quanto os consumidores pobres sejam mais vulneráveis diante da pobreza, e as idas e vindas de curto prazo podem, no longo prazo, ter impacto no desenvolvimento.
As oscilações dos preços e a queda do consumo de alimentos podem reduzir a ingestão de nutrientes fundamentais para crianças nos seus primeiros mil dias de vida, o que determina, em grande parte, seu futuro desenvolvimento. O desequilíbrio dos preços afeta países, populações e famílias de maneira muito diversa. Segundo o informe, os mais expostos são os pobres da África, onde o número de desnutridos subiu 8% entre 2007 e 2008.
“As nações que importam alimentos serão as mais vulneráveis. As de baixa renda, compradoras de alimentos, sofrerão especialmente em razão dos preços muito altos da importação. E não podem planejar seu próprio futuro. Se os preços mundiais são voláteis, então é muito difícil planejar”, disse Rapsomanikis.
O informe também concluiu que o aumento na produção de biocombustíveis representa uma carga adicional no sistema alimentar. A volatilidade de preços pode aumentar na próxima década devido aos crescentes vínculos entre o mercado agrícola e a energia, segundo Rapsomanikis. “Há mercados e mercados. O Brasil utiliza a cana-de-açúcar para produzir etanol. Na União Europeia temos sementes oleaginosas, e nos Estados Unidos temos o milho”, acrescentou o economista.
“Os Estados Unidos são os maiores importadores de milho, e cerca de 30% da produção se transformam em etanol. Já que tanto o mercado de energia quanto o de alimentos utilizam milho como insumo, se houver algum impacto no mercado petrolífero este rapidamente se transmitirá ao de alimentos”, detalhou Rapsomanikis.
O informe também diz que os investimentos em agricultura continuam sendo fundamentais para uma segurança alimentar sustentável de longo prazo, e pede aos governos que facilitem e aumentem o fluxo de capitais no setor. “A primeira coisa que os governos deveriam fazer é aumentar os investimentos no setor agrícola”, disse o especialista da FAO à IPS.
“Pelas nossas estimativas anteriores, para poder cobrir a demanda de produção, os capitais precisam aumentar 50% nos países em desenvolvimento”, afirmou Rapsomanikis. “E isto inclui investimentos em insumos, fertilizantes e extensão de serviços. Trata-se de ter acesso a instalações, mercados e armazenagem, em todo o sistema alimentar. E também são necessários investimentos em bens públicos, como em infraestrutura do transporte, das comunicações e em projetos de irrigação, sobretudo na África”, ressaltou.
As principais áreas para esses investimentos, segundo o informe, são irrigação custo-efetivo, práticas melhoradas de administração de terras, desenvolvimento de melhores sementes por meio da pesquisa. “Isto ajudaria a reduzir os riscos de produção que os agricultores, especialmente os pequenos, enfrentam, e a mitigar a volatilidade de preços”, diz o estudo.
O setor privado também pode ser de ajuda. Segundo a FAO, parte desses investimentos pode vir da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA), mas esta não é suficiente, porque se manteria uma brecha de financiamento. “A ODA está diminuindo, e a parte destinada à agricultura é apenas de 4%”, disse Rapsomanikis. “O necessário, além da ODA e dos gastos nacionais em agricultura, é a participação do setor privado. E não apenas as empresas. Os agricultores também são o setor privado”, afirmou.
“Os países deveriam criar um clima ótimo para incrementar os investimentos privados para obter um crescimento da produtividade por meio de boas políticas estruturais e financeiras e sistemas efetivos de governo. Isso criaria um ambiente estimulante para que as pessoas invistam”, acrescentou o economista.
No entanto, os pequenos agricultores enfrentam tantas dificuldades que é difícil vê-los como investidores. “Muitos pequenos agricultores não estão integrados ao mercado, não têm acesso à exportação nem a insumos, tampouco à tecnologia ou aos financiamentos ou créditos. É por isto que os governos e o setor privado deveriam ajudar por intermédio de sociedades público-privadas a fornecerem infraestrutura de transporte para os agricultores que se encontram em áreas isoladas”, diz o informe.
A FAO estimou em 925 milhões o número de famintos no mundo no ano passado. No período 2006-2008, esta agência os havia calculado em 850 milhões. O informe esclarece que “a metodologia usada pela FAO para calcular a prevalência da fome está atualmente sob revisão”, e, portanto, não apresentou uma estimativa para este ano.
Reportagem: Envolverde/IPS
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