Depois de uma avalanche de protestos contra e a favor de
Belo Monte, começam a surgir comentários mais equilibrados na rede dando
conta que o debate é mais profundo e não cabem desqualificações a
priori. Tenho me posicionado sempre a favor deste debate, mas a cada dia
que passa fica mais claro que sem debater um amplo programa de
eficiência energética e de geração distribuída (leia-se smart grid) será
difícil identificar uma alternativa consensual.
A boa notícia é que o Plano Nacional de
Eficiência Energética (PNef) finalmente saiu do papel. Ele foi
aprovado no dia 20 de outubro pelo governo depois de consulta pública
e mais de três anos em elaboração. No final de novembro, foi
instituído o Grupo de Trabalho que tratará de sua implementação e
no dia sete de dezembro o GT realizou sua primeira reunião.
Antes de voltar ao Pnef, queria discutir Belo
Monte, apoiando-me em um belo artigo publicado na revista Página 22,
do Grupo de Estudos de Sustentabilidade da FGV (GVCes). O artigo de
opinião demonstra o que muitos sentiram neste debate que foi muito
acirrado pelo Movimento Gota D'Água nas últimas semanas: confusão.
No artigo, 'Sobre Hienas e Guepardos', a
pesquisadora Daniela Gomes Pinto debate que não dá para encarar a
sustentabilidade pelo viés do 'bem' contra o 'mal'. Ela usa uma
analogia do mundo animal onde a sobrevivência faz com que leões
considerados bonzinhos passem por lobos maus. Desculpando o
antropomorfismo cometido pela pesquisadora – pois os valores de bem
e mal são de seres humanos e não de animais -, tomar partido de uma
causa tão complexa é difícil sem antes analisar a fundo a questão
e levar em conta questão éticas e históricas profundas.
No caso de Belo Monte, temos que levar em
consideração a história recente e a mais antiga do setor elétrico.
Belo Monte é um projeto antigo que foi
modernizado. Ele remonta à época da ditadura militar quando os
brasileiros foram obrigados a ser contra ou a favor do Brasil (ame-o
ou deixe-o), sem a possibilidade de questionamento. O projeto de
desenvolvimento nacional foi enfiado goela abaixo aos brasileiros
criando uma dependência de petrodólares que acabou por destruir
nossa economia com hiperinflação.
Mais recentemente, nos anos 90, já em tempos
democráticos, mas não menos autoritários, o projeto financista foi
implementado pelo governo tucano. As privatizações salvariam o país
(e o mundo) do 'burocratismo' de um governo pesado e ineficiente. A
Cesp, Fepasa, Telebrás, parte da Cemig e tantas outras empresas mais
foram fatiadas e vendidas. Ao mesmo tempo, o planejamento da expansão
do sistema elétrico foi também 'privatizado'.
Cito apenas um caso, que ainda carece de
resolução, que é a venda das usinas da Cesp no rio Paranapanema em
São Paulo para a americana Duke Energy. A ela foi deixada a
obrigação de expandir a geração em 15%. Não o fizeram e até
hoje o governo paulista, que vendeu o ativo e assinou o contrato de
concessão, negocia com eles. Mudaram os governos e a direção da
empresa, e ainda se debate como 'punir' a empresa por não ter
cumprido com suas obrigações contratuais.
A falta de planejamento nacional resultou no
apagão. Não vou entrar nos detalhes do debate, mas isto ficou claro
e, em 2002, o governo Lula tratou de retomar o planejamento e botar a
estatal Eletrobrás de volta como um agente principal do setor. Sem
inventários de novas usinas, desarquivaram projetos antigos. Com o
crescimento econômico, expandir a geração e a transmissão virou
essencial.
Para o governo, olhando o crescimento econômico
que dura já quase uma década, não há dúvidas: é preciso
expandir a geração inclusive com grandes projetos antigos na
Amazônia. Santo Antônio, Jirau, Belo Monte, a bacia do Tapajós, do
Teles Pires e de outros rios amazônicos tinham sido todos mapeados e
estudados décadas atrás para gerar energia para o 'Brasil Grande'
dos militares.
Mas os tempos mudaram. A legislação ambiental de
1985 só se fortaleceu, as populações ribeirinhas e indígenas
conquistaram direitos, a sociedade se mobilizou, a imprensa se
libertou, a Internet se alastrou. E não há projeto de
desenvolvimento que possa ser enfiado goela abaixo dos brasileiros.
Simplifiquei o que pude do debate, mas quero
destacar o papel da história.
Dizem os opositores de Belo Monte, que a energia a
ser gerada poderia ser gerada por outros meios menos impactantes como
eólica e solar (térmica e fotovoltaica). Mas para o planejador, é
preciso levar em conta custo e segurança de suprimento, ainda mais
quando fatores políticos são envolvidos. E numa democracia,
convencer eleitores não é só no gogó, é mantendo o custo de vida
abaixo dos salários. A conta é fácil: se Belo Monte vai gerar a
R$77 por MWh, fica fácil descartar solar, que se projeta a cerca de
R$300 por MWh e eólica, hoje em torno de R$100/MWh, sem contar a
segurança de fornecimento, pois nossa rede elétrica foi feita para
acomodar grandes unidades de geração.
Não estou me posicionando a favor e nem contra
Belo Monte, me posiciono sempre a favor de renováveis com a
consciência de que é um processo que, como disse a pesquisadora do
GVCes, precisa levar em conta que 'na sustentabilidade há muitas
variáveis que variam'. Conforme escrevi no nosso especial de
energia, o Brasil tem um grade potencial solar e eólico, mas precisa
se posicionar mas aguerridamente numa corrida mundial que envolve o
grande capital. E esta briga se dá principalmente nos centros de
pesquisa.
E dos centros de pesquisa também devem sair o que
os planejadores e especialistas em energia consideram a energia mais
barata existente: o não consumo.
Melhor colocando, o deixar de consumir sem reduzir
a qualidade de vida e/ou do produto. Em geral, gasta-se em média
R$99 por MWh economizado na indústria
Sem debater um plano nacional de eficiência
energética, não podemos debater os projetos como Belo Monte e
renováveis. A equação no fundo é simples:
geração tradicional + renováveis + ganhos de
eficiência energética = projeção de expansão
O Pnef bota uma economia de 10% do consumo até
2030 (Veja aqui). Mas há especialistas que falam de 30%.
Independentemente de qual é este índice, os
ganhos são absurdamente positivos em todos os setores e, melhor, à
medida que avançamos economizamos mais, geraremos empregos e pois
necessitaremos de novos equipamentos, reformar prédios, pesquisar,
novos materiais, implementar novos processos, enfim, será preciso
uma gama de ações que vão além do tradicional tomar banho de
'cinco minutos' e mudanças de hábitos.
Só para se ter uma ideia, na COP17 foi aprovado
um programa para 'apagar' todas as incandescentes no mundo até 2016.
Iluminação consome 20% da eletricidade mundial e é responsável
por 6% de todas as emissões de gases efeito estufa. O Brasil já tem
o seu programa para tirar as incandescentes do mercado.
Isto requer um esforço de vários setores,
começando com os arquitetos e projetistas e terminando com o a
renovação do setor produtivo. Estamos, no fundo, falando da
economia verde. Nos Estados Unidos, os programas de reforma de casas
para aumentar a eficiência energética estima-se que serão criados
cerca de 1 milhão de novos empregos.
Agora que temos um plano de eficiência
energética, um grupo de trabalho responsável, gostaria de ver o
debate pegando fogo, pois, pela equação, quanto mais economizarmos,
menos energia necessitaremos para crescer, e portanto menos impacto
sofrerá o meio ambiente e ganharemos tempo para desenvolver as
renováveis de uma maneira compatível com a necessidade política e
a realidade econômica, reduzindo a dependência da tecnologia
alheia. Mas o debate precisa ser feito.
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