O fantasma de Malthus: carestia, fome e biocombustíveis

O aumento do preço dos alimentos, comodities e energia trouxe de volta o fantasma malthusiano da fome e de uma possível crise de mortalidade. Countudo, a esperança de vida continua aumentando no mundo e os avanços tecnológicos, juntamente com a inventividade humana e a continuidade da transição da fecundidade podem garantir um futuro mais promissor para a humanidade.
Algumas pessoas consideram que o surgimento de estudos demográficos mais elaborados começaram com Thomas Malthus (1766-1834) e que o pastor anglicano fez um alerta importante ao dizer que a fome e a miséria seriam “xeques positivos” para reduzir o ritmo de crescimento da população. Assim, toda vez que aumenta a carestia, surge o medo da fome e o receio com a super-população (overpopulation) e a insegurança alimentar.
Contudo, contribuições mais importantes para a demografia vieram de pensadores iluministas que escreveram antes de Malthus, em especial, o Marquês de Condorcet (1743-1794), na França, e William Godwin (1756-1836), na Inglaterra. Estes autores acreditavam no progresso do bem-estar e na “perfectibilidade humana”. Eles achavam que se poderia vencer as doenças que limitavam a esperança de vida, acreditavam na redução da fecundidade e na melhora do bem-estar da humanidade. Se estes dois grandes pensadores não tiveram todas suas previsões utópicas realizadas, contudo, eles acertaram mais do que erraram em suas esperanças.
Todas as previsões de Malthus, ao contrário, se mostraram erradas. Ele pregava o salário de subsistência para adiar a idade ao casar e manter a fecundidade dentro de certos limites e considerava que a mortalidade iria ser a variável de controle do crescimento excessivo da população. Não foi isto que aconteceu nos últimos 200 anos, mas sim a redução das taxas de natalidade, de mortalidade e o aumento espetacular da esperança de vida na maior parte dos países do mundo.
Por que então se preocupar com Malthus?
Na verdade, o objetivo deste artigo é combater o fantasma de Malthus. Sim, pois Malthus morreu, mas por diversas vezes, de forma cíclica, seus pensamentos voltam a assustar o mundo de forma fantasmagórica. Com o aumento do preço dos alimentos, a maior demanda mundial por commodities puxada, entre outros, pelo maior consumo da China e da Índia e a competição entre a produção de biocombustíveis e de grãos têm trazido de volta o fantasma malthusiano.
Autores, como John Gray e James Lovelock, consideram que a humanidade caminha para o precipício (Alves, 2007)[i]. Segundo Gray: “A espécie humana expandiu-se a tal ponto que ameaça a existência dos outros seres. Tornou-se uma praga que destrói e ameaça o equilíbrio do planeta. E a Terra reagiu. O processo de eliminação da humanidade já está em curso e, a meu ver, é inevitável. Vai se dar pela combinação do agravamento do efeito estufa com desastres climáticos e a escassez de recursos. A boa notícia é que, livre do homem, o planeta poderá se recuperar e seguir seu curso”. Na mesma linha, Lovelock afirma: "Bilhões de nós morrerão e os poucos casais férteis de pessoas que sobreviverão estarão no Ártico, onde o clima continuará tolerável". Para ele: "o mundo já ultrapassou o ponto de não retorno quanto às mudanças climáticas e a civilização como a conhecemos dificilmente irá sobreviver".
Felizmente, este tipo de postura malthusiana não predomina nem entre os setores progressistas da sociedade e nem entre setores conservadores ou liberais. A revista The Economist (15/05/2008)[ii]O artigo da revista termina com o seguinte prognóstico otimista: "There may be curbs on traditional forms of growth, but there is no limit to human ingenuity. That is why Malthus remains as wrong today as he was two centuries ago”., em artigo entitulado "Malthus, the false prophet” mostra que a transição demográfica está em curso em todo o mundo, reduzindo o ritmo de crescimento populacional, ao mesmo tempo em que os avanços tecnológicos possibilitam ganhos de produtividade que elevam a disponibilidade de meios de subsistência e matérias-primas.
Isto quer dizer que o aumento do preço dos alimentos se deve a fatores conjunturais? E a crise de energia? E o aquecimento global? Teremos resposta para todos os desafios atuais?

Seria ingenuidade acreditar em soluções simples para a economia mundial nas próximas décadas. Mas talvez não fosse exagero dizer que o aumento do preço dos alimentos e das commodities neste início do século XXI tenha um lado positivo, na medida em que reflete uma maior crescimento da economia internacional, maior demanda dos países em desenvolvimento e uma mudança nos termos de intercâmbio, com os produtos agrícolas e matérias primas, do meio rural, ganhando valor em relação aos bens e serviços industriais e do meio urbano. Contudo, este possível benefício pode ficar concentrado nas mãos de poucos, deixando as parcelas mais carentes da população sem acesso à cesta básica nutricional.

A revista Newsweek (17/04/2008)[iii], com base em estudos de Raj Patel, afirma: "The global food crisis is less about shortages than about bad policy”. Na verdade, podemos enumerar uma série de pontos que estão relacionados ao aumento do preço e à crise de abastecimento:

1) desvalorização do dólar diante da maioria das outras moedas;
2) crescimento da demanda por alimento em função do aumento do poder de compra de parcelas expressivas da população mundial, que continua crescendo, em especial nos países em desenvolvimento;
3) estrutura rígida da oferta de alimentos, seja por subsídios agrícolas nos países desenvolvidos ou por monopólios e concentração da propriedade agrícola nos países em desenvolvimento;
4) falta de investimentos em tecnologias que permitam o aumento da produtividade agrícola e na melhoria da infra-estrutura de produção;
5) falta de apoio à agricultura familiar e controle dos insumos por parte de empresas oligopolistas;
6) crescimento do protecionismo e da especulação financeira e dos "hedges funds";
7) aumento da área plantada para a produção de biocombustíveis;
8) Erosão das terras e salinização das águas;
9) Aumento do preço do petróleo e fortalecimento da OPEP;
10) Alterações climáticas provocadas pelo aquecimento global que já afetam a produção de alimentos e reduzem a área de produção de grãos e a obtenção de proteínas animais.

Como se vê, são múltiplas as causas do aumento do preço dos alimentos. A produção de biocombustíveis é apenas mais um elemento que contribui para a alta dos preços dos alimentos. A solução requer ações em várias frentes e um plano multifacetado de alternativas. É preciso mudar as políticas públicas, garantir acesso à terra e aos alimentos para a população mais pobre e aumentar a cooperação internacional.
Com certeza, não estamos diante de uma provável crise malthusiana que provocaria o aumento das taxas de mortalidade e uma crise populacional. O grande erro de Malthus foi substimar as potencialidades dos desenvolvimentos tecnológicos e ir contra a possibilidade do aumento do bem-estar da população, ao pregar o salário de subsistência como único meio de evitar o crescimento populacional. Exatamente por ser Pastor da Igreja Anglicana, Malthus utilizou preceitos religiosos para ser contra métodos de regulação da fecundidade. Ele só imaginava ajustes populacionais por meio de uma crise de mortalidade, o que denominava “xeques positivos”.
A despeito da gravidade da crise atual, o fantama de Malthus não assusta neste momento. Mas isto também não quer dizer que os problemas de população não contam e não importam. Ao contrário, os países que estão se saindo melhor no cenário mundial são aqueles que prosseguiram na transição demográfica e, além de terem reduzido o ritmo de crescimento populacional, conseguiram mudar suas estruturas etárias com a diminuição das razões de dependência.
A solução malthusiana para as crises passa necessariamente pelo aumento da mortalidade. Contudo, é possível se buscar soluções para os problemas econômicos e do meio ambiente em um quadro de aumento da esperança de vida e com continuidade da transição da fecundidade.
Tanto a ideologia controlista, quanto a pró-natalista estão fora de moda e do tempo atual. A cada dia fica mais claro de que não existe um tamanho ideal de população, pois o que vale é o bem-estar de todos os cidadãos. Portanto, a dinâmica populacional deve estar a serviço da melhoria geral não só da qualidade de vida das pessoas mas também em harmonia com o meio ambiente e com garantia de manutenção da biodiversidade do Planeta.


[i] ALVES, J.E.D. População, pobreza e meio ambiente. Salvador, BAHIA Análise & Dados, V. 17, n. 1, junho 2007. Disponível em:
[ii] The Economist, Malthus, the false prophet, May 15th 2008. Disponível em:
[iii] Newsweek, ‘We Should Feel Angry’ Apr 17, 2008, Disponível em:


ARTIGO DE: José Eustáquio Diniz Alves

Revista: OPS! O PENSADOR SELVAGEM

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