Com população global perto dos 7 bilhões, especialistas discutem se a Terra tem condições de abrigar tanta gente
Max Milliano Melo - Estado de Minas - Seção Ciência Publicação: 31/07/2011 04:00
Brasília – No século 18, o geógrafo britânico Thomas Malthus elaborou uma das mais conhecidas teorias sobre o crescimento populacional. Segundo sua hipótese, a capacidade da Terra de abrigar pessoas seria limitada. Ao ser atingido o limite populacional, crises de abastecimento, fome em massa, epidemias e problemas ambientais dizimariam parte da humanidade, devolvendo o equilíbrio entre o planeta e seus habitantes. Posta de lado durante décadas, a Teoria Malthusiana volta a assombrar no momento em que a população mundial está prestes a alcançar a casa dos 7 bilhões.
Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), a marca deve ser atingida no próximo outubro. Descobrir até onde vai esse crescimento populacional, discutir se o planeta tem mesmo uma capacidade limitada de abrigar pessoas e apontar os desafios de administrar tantas vidas são algumas das propostas de uma série de artigos publicados na edição de quinta-feira da revista científica Science.
Em diferentes momentos da história, a humanidade pareceu estar seriamente ameaçada. No fim da Idade Média, por exemplo, as condições precárias de vida nos aglomerados urbanos permitiram que a peste bubônica se espalhasse e dizimasse cerca de um terço da população europeia. Séculos depois, já nos anos 1970, a explosão demográfica asiática fez com que a China e a Índia alcançassem a marca de 1 bilhão de habitantes, levando os geógrafos a prever a falta de alimentos.
Nas duas ocasiões, a ciência mostrou-se capaz de encontrar soluções que evitaram o pior. O avanço da medicina fez com que epidemias fossem combatidas de forma mais eficiente e técnicas agrícolas conseguiram aumentar expressivamente a produção de alimentos. “Hoje, a maioria dos problemas relacionados à saúde são evitáveis, decorrentes da falta de prevenção ou de condições adequadas de vida”, diz ao Estado de Minas o subsecretário-geral da ONU e diretor- executivo do Fundo de Populações das Nações Unidas (Unfpa, na sigla em inglês), Babatunde Osotimehin.
Disponibilidade O problema é que o enfrentamento das ameaças que afligem a humanidade atualmente depende, principalmente, de decisões políticas, aponta Osotimehin, que assina o editorial da Science. “Muitas vezes, o problema não é a produção, mas sim a disponibilidade”, afirma o nigeriano. Segundo ele, a produção de alimentos atual é suficiente para suprir a necessidade de todas as pessoas, e o crescimento populacional será acompanhado de uma natural evolução nas técnicas agrícolas. “O grande desafio sempre foi lidar com a desigualdade. Hoje, algumas regiões sofrem com o excesso de alimentos, enquanto outras penam com a fome. Nas próximas décadas, se nada for feito, essa desigualdade tende a se acentuar.”
Outro ponto a ser enfrentado será a educação, uma área poucas vezes vista como relacionada ao controle populacional. “Indivíduos e comunidades com melhor nível de educação têm uma capacidade maior de identificar problemas e encontrar soluções”, analisa o pesquisador nepalês Samir Kumar, do Programa de Populações do Instituto Internacional para Análises Aplicadas (Iiasa, na sigla em inglês), com sede na Áustria. “Portanto, para resolver os problemas de 7 bilhões de pessoas, precisamos de um mundo com 7 bilhões de indivíduos com o mais alto nível educacional possível”, completa.
Entre as várias vantagens que Kumar aponta no amplo investimento em educação como forma de lidar com a superpopulação mundial, está a melhora na qualidade de vida conquistada por indivíduos que estudam mais. Além disso, do ponto de vista da saúde, famílias cujos pais puderam frequentar a escola têm menos problemas de saúde, já que eles têm melhores condições de orientar os filhos em relação a questões de higiene e hábitos saudáveis.
Planejamento familiar Além disso, a escola pode ser uma aliada importante na promoção do planejamento familiar, afirma o especialista da Iiasa. “Mesmo que o tema planejamento familiar não esteja diretamente presente nos currículos escolares, pessoas com maior grau de instrução são mais propensas a encontrar informações referentes a métodos contraceptivos”, explica.
O investimento em planejamento familiar deve mesmo ser uma das grandes prioridades de governos que queiram promover o crescimento ordenado das suas populações, acredita John Bongarrts, da organização internacional Population Council, com sede em Nova York (EUA). “Todos os anos, ocorrem 184 milhões de gestações no mundo, sendo que 40% delas não são planejadas”, informa. “Em regiões mais pobres, como na África subsaariana, as mães têm muitos filhos por acreditarem que eles serão mão de obra adicional na lavoura, quando na verdade estarão ajudando a aumentar a demanda por alimentos”, explica.
Em 1994, em um tratado da ONU, 184 países se comprometeram a priorizar políticas de planejamento familiar. “No entanto, ao longo dos anos 1990, os recursos destinados a essas ações ficaram cada vez mais escassos”, lamenta Bongarrts. “Por isso, não é demais dizer que hoje, mais do que nunca, as mulheres estão tendo o seu direito ao planejamento familiar negado.”
Se o problema é grave em regiões do continente africano, aos poucos a situação tem mudado em outras regiões em desenvolvimento, que já começam a mostrar um perfil populacional semelhante ao de países ricos. É o caso brasileiro. “No Brasil, a taxa de natalidade caiu muito rapidamente e agora é menor do que nos EUA, por exemplo”, explica o pesquisador da Universidade da Califórnia – Berkeley, Ron Lee.
De acordo com Lee, considerando apenas as taxas de nascimento, a longo prazo o Brasil pode enfrentar situação inversa da tendência mundial: a diminuição populacional. “No país, a fertilidade atual é de cerca de 1,9 nascimento por mulher, enquanto 2,1 nascimentos seria a média necessária para a substituição a longo prazo da população”, conta. “Essa é uma tendência que já se apresenta há bastante tempo nos países mais ricos e que agora se espalha por outras regiões que se desenvolveram mais tardiamente, como China e Tailândia”, pontua o especialista.
entrevista
babatunde osotimehin
subsecretário-geral da onu e diretor do unfpa
Produção alimentar é farta
O senhor acredita que o rápido crescimento
populacional deve gerar uma grande epidemia de fome no mundo?
Eu acredito que não, pois o nosso grande problema atual é na distribuição de comida. O planeta tem capacidade de produzir comida para toda a população atual e para as novas gerações. No entanto, algumas regiões ainda não têm capacidade de se abastecer sozinhas, enquanto em
outras, a produção de alimentos é farta. Assim, um dos grandes desafios que já deveriam ter sido solucionados é o estímulo a uma agricultura mais produtiva em áreas com dificuldades de abastecimento e de grande crescimento populacional e a distribuição dos alimentos ao redor do planeta.
No século 18, a chamada Teoria Malthusiana
sugeriu que a Terra tinha capacidade
limitada de abrigar pessoas. O senhor
acredita nesse “limite populacional”?
Não é possível ter uma resposta conclusiva sobre essa questão. O que acredito é que o crescimento populacional traz para nós o desafio de nos integrarmos, de nos desenvolvermos em conjunto. Com mais pessoas no planeta, será necessário otimizar nossos espaços urbanos, as áreas agricultáveis e os recursos naturais e energéticos. Assim, vejo o desafio populacional como um chamado para a humanidade aprender a viver de forma mais integrada.
E do ponto de vista ambiental? Os recursos
naturais conseguirão suportar a pressão
de 7 bilhões de pessoas?
Esse é outro desafio. Acredito que os países precisam criar cada vez mais programas que promovam desde o consumo consciente até a preservação de áreas ambientais. Creio que uma relação equilibrada com o meio ambiente deve se tornar cultural. Precisamos trabalhar com as crianças para formar gerações cientes da importância da preservação ambiental. Aliando a otimização dos recursos que já temos hoje, como terras destinadas à agricultura e a áreas urbanas, poderemos promover o crescimento sem aumento na demanda ambiental.
Max Milliano Melo - Estado de Minas - Seção Ciência Publicação: 31/07/2011 04:00
Famílias recebem comida na Somália: produção mundial é suficiente para abastecer os 7 bilhões de habitantes, mas a distribuição é desigual |
Brasília – No século 18, o geógrafo britânico Thomas Malthus elaborou uma das mais conhecidas teorias sobre o crescimento populacional. Segundo sua hipótese, a capacidade da Terra de abrigar pessoas seria limitada. Ao ser atingido o limite populacional, crises de abastecimento, fome em massa, epidemias e problemas ambientais dizimariam parte da humanidade, devolvendo o equilíbrio entre o planeta e seus habitantes. Posta de lado durante décadas, a Teoria Malthusiana volta a assombrar no momento em que a população mundial está prestes a alcançar a casa dos 7 bilhões.
Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), a marca deve ser atingida no próximo outubro. Descobrir até onde vai esse crescimento populacional, discutir se o planeta tem mesmo uma capacidade limitada de abrigar pessoas e apontar os desafios de administrar tantas vidas são algumas das propostas de uma série de artigos publicados na edição de quinta-feira da revista científica Science.
Em diferentes momentos da história, a humanidade pareceu estar seriamente ameaçada. No fim da Idade Média, por exemplo, as condições precárias de vida nos aglomerados urbanos permitiram que a peste bubônica se espalhasse e dizimasse cerca de um terço da população europeia. Séculos depois, já nos anos 1970, a explosão demográfica asiática fez com que a China e a Índia alcançassem a marca de 1 bilhão de habitantes, levando os geógrafos a prever a falta de alimentos.
Nas duas ocasiões, a ciência mostrou-se capaz de encontrar soluções que evitaram o pior. O avanço da medicina fez com que epidemias fossem combatidas de forma mais eficiente e técnicas agrícolas conseguiram aumentar expressivamente a produção de alimentos. “Hoje, a maioria dos problemas relacionados à saúde são evitáveis, decorrentes da falta de prevenção ou de condições adequadas de vida”, diz ao Estado de Minas o subsecretário-geral da ONU e diretor- executivo do Fundo de Populações das Nações Unidas (Unfpa, na sigla em inglês), Babatunde Osotimehin.
Disponibilidade O problema é que o enfrentamento das ameaças que afligem a humanidade atualmente depende, principalmente, de decisões políticas, aponta Osotimehin, que assina o editorial da Science. “Muitas vezes, o problema não é a produção, mas sim a disponibilidade”, afirma o nigeriano. Segundo ele, a produção de alimentos atual é suficiente para suprir a necessidade de todas as pessoas, e o crescimento populacional será acompanhado de uma natural evolução nas técnicas agrícolas. “O grande desafio sempre foi lidar com a desigualdade. Hoje, algumas regiões sofrem com o excesso de alimentos, enquanto outras penam com a fome. Nas próximas décadas, se nada for feito, essa desigualdade tende a se acentuar.”
Outro ponto a ser enfrentado será a educação, uma área poucas vezes vista como relacionada ao controle populacional. “Indivíduos e comunidades com melhor nível de educação têm uma capacidade maior de identificar problemas e encontrar soluções”, analisa o pesquisador nepalês Samir Kumar, do Programa de Populações do Instituto Internacional para Análises Aplicadas (Iiasa, na sigla em inglês), com sede na Áustria. “Portanto, para resolver os problemas de 7 bilhões de pessoas, precisamos de um mundo com 7 bilhões de indivíduos com o mais alto nível educacional possível”, completa.
Entre as várias vantagens que Kumar aponta no amplo investimento em educação como forma de lidar com a superpopulação mundial, está a melhora na qualidade de vida conquistada por indivíduos que estudam mais. Além disso, do ponto de vista da saúde, famílias cujos pais puderam frequentar a escola têm menos problemas de saúde, já que eles têm melhores condições de orientar os filhos em relação a questões de higiene e hábitos saudáveis.
Planejamento familiar Além disso, a escola pode ser uma aliada importante na promoção do planejamento familiar, afirma o especialista da Iiasa. “Mesmo que o tema planejamento familiar não esteja diretamente presente nos currículos escolares, pessoas com maior grau de instrução são mais propensas a encontrar informações referentes a métodos contraceptivos”, explica.
O investimento em planejamento familiar deve mesmo ser uma das grandes prioridades de governos que queiram promover o crescimento ordenado das suas populações, acredita John Bongarrts, da organização internacional Population Council, com sede em Nova York (EUA). “Todos os anos, ocorrem 184 milhões de gestações no mundo, sendo que 40% delas não são planejadas”, informa. “Em regiões mais pobres, como na África subsaariana, as mães têm muitos filhos por acreditarem que eles serão mão de obra adicional na lavoura, quando na verdade estarão ajudando a aumentar a demanda por alimentos”, explica.
Em 1994, em um tratado da ONU, 184 países se comprometeram a priorizar políticas de planejamento familiar. “No entanto, ao longo dos anos 1990, os recursos destinados a essas ações ficaram cada vez mais escassos”, lamenta Bongarrts. “Por isso, não é demais dizer que hoje, mais do que nunca, as mulheres estão tendo o seu direito ao planejamento familiar negado.”
Se o problema é grave em regiões do continente africano, aos poucos a situação tem mudado em outras regiões em desenvolvimento, que já começam a mostrar um perfil populacional semelhante ao de países ricos. É o caso brasileiro. “No Brasil, a taxa de natalidade caiu muito rapidamente e agora é menor do que nos EUA, por exemplo”, explica o pesquisador da Universidade da Califórnia – Berkeley, Ron Lee.
De acordo com Lee, considerando apenas as taxas de nascimento, a longo prazo o Brasil pode enfrentar situação inversa da tendência mundial: a diminuição populacional. “No país, a fertilidade atual é de cerca de 1,9 nascimento por mulher, enquanto 2,1 nascimentos seria a média necessária para a substituição a longo prazo da população”, conta. “Essa é uma tendência que já se apresenta há bastante tempo nos países mais ricos e que agora se espalha por outras regiões que se desenvolveram mais tardiamente, como China e Tailândia”, pontua o especialista.
entrevista
babatunde osotimehin
subsecretário-geral da onu e diretor do unfpa
Produção alimentar é farta
O senhor acredita que o rápido crescimento
populacional deve gerar uma grande epidemia de fome no mundo?
Eu acredito que não, pois o nosso grande problema atual é na distribuição de comida. O planeta tem capacidade de produzir comida para toda a população atual e para as novas gerações. No entanto, algumas regiões ainda não têm capacidade de se abastecer sozinhas, enquanto em
outras, a produção de alimentos é farta. Assim, um dos grandes desafios que já deveriam ter sido solucionados é o estímulo a uma agricultura mais produtiva em áreas com dificuldades de abastecimento e de grande crescimento populacional e a distribuição dos alimentos ao redor do planeta.
No século 18, a chamada Teoria Malthusiana
sugeriu que a Terra tinha capacidade
limitada de abrigar pessoas. O senhor
acredita nesse “limite populacional”?
Não é possível ter uma resposta conclusiva sobre essa questão. O que acredito é que o crescimento populacional traz para nós o desafio de nos integrarmos, de nos desenvolvermos em conjunto. Com mais pessoas no planeta, será necessário otimizar nossos espaços urbanos, as áreas agricultáveis e os recursos naturais e energéticos. Assim, vejo o desafio populacional como um chamado para a humanidade aprender a viver de forma mais integrada.
E do ponto de vista ambiental? Os recursos
naturais conseguirão suportar a pressão
de 7 bilhões de pessoas?
Esse é outro desafio. Acredito que os países precisam criar cada vez mais programas que promovam desde o consumo consciente até a preservação de áreas ambientais. Creio que uma relação equilibrada com o meio ambiente deve se tornar cultural. Precisamos trabalhar com as crianças para formar gerações cientes da importância da preservação ambiental. Aliando a otimização dos recursos que já temos hoje, como terras destinadas à agricultura e a áreas urbanas, poderemos promover o crescimento sem aumento na demanda ambiental.
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